segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

COISAS GUARDADAS

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NALDOVELHO

Dentro do meu armário, no fundo de uma gaveta, pedaços do meu passado, tiras, retalhos, guardados, tudo devidamente catalogado.

Guardo o quintal da vizinha com amoreira e tudo, e uma mangueira frondosa, manga carnuda e gostosa. Guardo um gato safado, o nome dele é Veludo, e um cachorro vira-latas, já bem velhinho e surdo. Guardo um pato maluco que de quando em vez, anda todo de lado, come chiclete e bola de gude. Guardo uma unha encravada que depois de um racha de rua ficou bastante inflamada e deu um trabalho danado pro Seu Luiz da farmácia conseguir arrancar. Deus do céu, como doeu! Guardo o beijo roubado da filha de uma outra vizinha. Guardo as coxas quentinhas de uma priminha assanhada. Guardo o bilhete amassado escrito por uma ex-namorada que marcou comigo e coitada, ficou constipada e não compareceu. Guardo o pátio do Liceu, onde os primeiros poemas, na realidade rabiscos, loucuras explícitas que aos quinze anos ousei. Guardo as madrugadas impunes, de andar livre e despreocupado. Guardo a turma da esquina e tudo que aprontávamos. Guardo o primeiro maço de cigarros, marca Mistura Fina, e um belo de um catiripapo por estar fumando escondido, foi o Tio Carlinhos quem deu! Guardo o primeiro porre, vinho suave e conhaque. Guardo o primeiro violão, ainda com cordas, mas desafinado. Guardo um monte de sentimentos, todos muito bem enraizados, que o tempo não dissolveu. Guardo as incertezas da vida e um tempo em que eu nada sabia, mas tinha todas as respostas, ou pensava que tinha!

Guardo finalmente a constatação que ainda hoje nada sei. E guardo principalmente e por amor a minha vida, a criança travessa escondida lá no fundo do meu EU.
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