segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009



MEUS POEMAS

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Nem todos os poemas são bons! Alguns são apenas bons, outros nem são bons, alguns poucos muito bons. Coisas de um eterno aprendiz!

Mas sempre valerá à pena escrever muitos poemas, exorcizar demônios, dizer da dor e do engano, falar do desencanto e do abandono, do desencontro e da solidão. Coisas do desamor!

Mas podem acreditar: sempre valerá à pena escrever muitos poemas, alquimizar de vez nossas mágoas, transformando-as em compreensão, falar do amor e do perdão, da magia da sedução. Coisas da esperança e da redenção!

Pois sempre valerá à pena escrever muitos poemas, descortinar o passado, reescrever o futuro, trilhar com muita coragem uma nova trajetória. Coisas de quem acredita na vida!

Pois sempre valerá à pena escrever muitos poemas, desentranhar o estranho que mora dentro de nós.

E mesmo que nem sejamos poetas, mesmo que nem sejam poemas, sempre valerá a pena .
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PREFÁCIO DE LAURA ESTEVES

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O BRUXO ALQUIMISTA

Poesia é ato de coragem.

Meados de 2002. Um senhor desconfiado, cofiando a barbicha, adentra o café do Teatro Glaucio Gill. Ali, um grupo de sonhadores realiza um evento de poesia. Ele chega tímido, mas não se faz de rogado: violão em punho, canta e fala versos. Canta e encanta. Pronto! A mágica, o sortilégio já estavam realizados. Assim conheci meu amigo Naldovelho. E o músicopoeta de Niterói mostrou-se, também, um empreendedor. Ano seguinte, lá estava Naldo, do outro lado da ponte, coordenando o “Músico recebe poetas”, evento do qual tive a honra de participar.

Não bastassem tais proezas, ainda escreve belos poemas. Centenas deles. Li, com ternura, seus poemas e posso afirmar: Naldo é um poeta. Seus textos nos pegam de surpresa e nos espantam pela originalidade. Algumas vezes lírico e nostálgico; outras erótico, cruel, quase perverso. Mas sempre generoso para consigo mesmo e para os pecados alheios. Seus poemas intrigam. Cheiram a tabaco, aguardente, chão molhado (o chão das Minas Gerais ou da sua Niterói?). Falam de vias expressas, sirene, sereias, sinais. Uma doce alquimia: o interior e o urbano.

Naldovelho, como já diz o próprio título do livro (Mania de Colecionador), constrói um rol de emoções, é um inventariante de sentimentos:

No espelho vejo marcas, linhas gastas, cicatrizes, cabelos brancos, bem curtinhos, barba rala, já grisalha, olhos triste, marejados, algum vestígio de coragem...

Seus versos bastardos, como ele mesmo os define, falam de mistérios, entranhas, feitiço, sangue, bala perdida, cicatriz e foge aos padrões estabelecidos pelo “bom comportamento poético”.

A sede que eu tenho já faz tantos anos,
cicatrizes que eu trago, a maioria latentes...

...Palavra ardida é aquela que quando provocada, incendeia de vez o poema e exorciza no peito o feitiço, cicatrizando antigas feridas...

...Teria sido bala perdida, ou teria gravado no corpo, riscado a faca, o meu nome?

Seus versos em prosa ( grande contradição? ) escancaram portas e janelas, como que nos convidando: entrem, tomem assento e um gole de aguardente para esquentar o coração.Vamos conversar, falar de amargura, insônia, destino:

...Pela janela do meu quarto, mantida sempre entreaberta, eu espreito um outono de lágrimas..

...Pois que sejam em prosa os meus versos, inquietos, indecentes e confessos, pois a poesia que eu trago comigo ninguém vai conseguir calar.

O poeta é senhor da artesania verbal e o livro é um hino de amor ao oficio do escritor. Aliás, a palavra poema, poesia, poeta ou verso, aparece em quase todos os textos. É parar e conferir. A preocupação com a escrita está explicitada em poemas como este:

...Ferida de morte a palavra se contorce, se arrasta e agoniza...
Sei não! Epitáfio nenhum tem sentido com as letras, desta forma, indispostas. Por que a palavra foi morta? Por que tamanho castigo?

Naldovelho foi influenciado pela poesia de Drummond. Não esconde esse fato de ninguém. Mas, certamente, seu anjo não é o mesmo do poeta de Itabira. Seu anjo é docemente obsceno e sorri satisfeito para nosso poeta.

Um anjo travesso pousou do meu lado, fez caras e bocas, revirou meus guardados,...tirou minha roupa, bebeu nos meus lábios, deitou-se comigo, ofertou-me um abrigo suado de orgasmo, veneno, gemidos...

E respondendo à sua indagação: por onde andará o poeta? Eu acho, amigo, que ele saiu para se encontrar com o músico e criar poemas que falam de velhos boleros cubanos, de Buena Vista Social Club, tangos, chorinhos, “Eu sei que vou te amar”, “Águas de Março”, jazz, blues, violão, Paulo Moura, Chico e Tom.

A música que eu sinto, brota feito nascente...

Ritmo, técnica, emoção, imagens criativas, inquietação, tudo bem dosado por um bruxo alquimista, assim é a poesia de Naldo.

Nesse mundo massificado, onde somos números em carteiras plastificadas, sua poesia é um bálsamo. É um ato de coragem, como ele costuma falar. Leiam e comprovem.
Laura Esteves
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PREFÁCIO DE BEATRIZ ESCÓRCIO CHACON

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NÃO É COFRE, É CAIXA SEM TRINCOS

O que coleciona um poeta? Deve ser um tanto do que está nessa caixa de manias, poesia de número trinta e três. Acho graça dos pedaços de quartzo e das pedras redondinhas de beira de rio, e nem é pra usar aspas, todo poeta deve ser guardador de um mimo assim. Mas o que me intriga não é a mania – cada poeta com a sua, cada louco com o poema de todos. O quer seduz é a própria caixa, transparentemente aberta, se esgotando em mais cacos brilhantes de vida. São papéis fantasiados de palavras.

É sedutora a coleção exposta do Naldo, velho amigo de confissões ao primeiro livro. Poesia de peito aberto, ora a sangrar, a inebriar o lado esquerdo de tantos outros. Que há muito não se colhem uns versos tão “ardidos” de ausências, e infusos de alfazema, tatuados de rosas murchas, crisântemos, sementes. E há tanto não se encontra na cidade um romântico de luas cheias, insônias, janelas e musas, beijos derramados num seio.

E também nessa caixa sem trincos, um violão. Pelas paisagens do quarto, dos mangues e avenidas de rios brancos, Naldo vai cantarolando lirismos. Parceria com anjos travessos, obscenos, sorridentes, caídos, seus amigos no dia-a-dia.

Com que cacos-palavras, portanto, um poeta faz coleção? Nessa caixa luzidia do Naldo, incontáveis, ao alcance. Tocar este livro com toda a nossa delicadeza. Nele recebemos toques de “belezas tristes”. Mania bendita.

Beatriz Escorcio Chacon
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MANIA DE COLECIONADOR

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NALDOVELHO

Coleciono pétalas diversas, espinhos,
pedaços de quartzo, alguns lapidados,
muitas corujas na estante da sala,
livros queridos, leituras freqüentes,
inquietudes da alma, algumas urgentes,
pedras redondinhas de beira de rio,
fios coloridos todos em desalinho,
folhas secas de outono cheirando a abandono,
romances, partidas, saudades latentes,
tocos de vela, aflições de uma vida,
algumas restam acesas dentro do peito,
aquecem o inverno dos meus sentimentos,
algumas intocadas, precauções que eu tenho,
sei lá do futuro e dos rumos que eu tomo.

Coleciono gravatas penduradas no armário,
documentos, histórias, tudo catalogado,
retratos antigos, imagens, passado,
telas, meus quadros, estranhos, profusos,
uma infinidade de versos, rabiscos confusos,
alguns aproveito, cometo poemas,
se mexo e remexo resultam em prosa,
palavras que eu tenho, sagradas memórias.

Coleciono mulheres, amores tão densos,
mas teve aquela que colheu e guardou,
sementes de trigo e águas de um rio
e na troca de odores, suores, salivas,
plantou sutilezas, colheu meu amor.

Coleciono abraços, sorrisos, amigos,
alguns bem distantes permanecem queridos,
alguns ao meu lado servem de abrigo.

Coleciono invernos, primaveras e outonos,
notícias dos longes, esperas, certezas,
que sempre ecoam a cada passo sofrido,
em cantigas, toadas, melodias profanas;
discos antigos, jazz e blues,
também tem boleros, a maioria cubanos,
tem Águas de Março, Elis e Jobim,
tem Nana Caymmi, tem Milton e tem Chico,
ultimamente alguns choros doídos, confesso!

Sonoridades, palavras, imagens, objetos,
ainda bem que eu os tenho bem junto a mim.

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AOS POETAS

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NALDOVELHO

Não reconheço o poeta que não tenha arestas, que não tenha vivido os contrastes e que não tenha em sua bagagem muitas histórias, boa parte delas mal comportadas, mal resolvidas e, às vezes até, inacabadas...

Não reconheço o poeta que não tenha espinhos, muitas farpas e cacos espetados por todo o corpo, feridas mal cicatrizadas, cortes, desgostos que sangram toda vez que alguém toca, e que vez por outra ardem, doem...

Não reconheço o poeta que tenha perdido a coragem de tentar sempre outra vez, outra vez, e mais outra vez... Apesar de saber que vai voltar a arder, a sangrar e a doer.

Não reconheço o poeta que não tenha vivido um drama, que não tenha se envolvido numa trama, que não tenha dobrado muitas esquinas ou que tenha como trajetória uma reta e longa linha, que não tenha sobrevivido a um feitiço, que não tenha se perdido em desvios, em atalhos, que não tenha caído em muitos buracos, ribanceiras, que não tenha arranhado todo o corpo e por força das suas incertezas, não seja meio labirinto, meio esfinge, meio esboço.

Não reconheço o poeta que não tenha praguejado, que na perda não tenha chorado, que no desencontro não tenha se lamentado. Podia ter sido tão bom!

Não reconheço o poeta sem pecado, que não tenha caminhado errado, que não tenha se enganado, ou não tenha sido enganado, que não tenha dormido em alguma cama estranha em busca de um outro sabor. Se não dormiu, sonhou ou então desejou!

Não reconheço o poeta que não tenha uma sombra, um fantasma, um arrependimento, frutos de um dissabor ou de um constrangimento, que seja sem conflitos, sem desgastes, sem atritos.

Não reconheço um poeta que não seja indecente, que não tenha uma boa quantidade de veneno escorrendo dos seus lábios ou guardado entre os dentes, que seja bem comportado, bem resolvido, em paz, harmonizado, que viva em plenitude, que seja feliz, sem ser hipócrita, pois todo o poeta é um louco, um buscador que se alimenta da vida, todo o poeta é o “antinirvana” e ele é como é, e ainda bem que assim é!

Aqueles que são poetas entenderão, aqueles que fingem, contestarão. De qualquer maneira peço licença para que eu possa passar com a minha confusão. Quero assim poder continuar semeando a busca pela compreensão.
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SAUDADES DAS MINHAS GERAIS

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NALDOVELHO

Tem dias que amanhecem
com cheiro de café bem forte
feito em fogão de lenha,
angu de corte na mesa
broa de milho e a certeza
do sorriso aceso nos olhos.
Dedo e meio de prosa,
cigarro de palha nos dedos,
logo, logo abrir a porteira,
o mundo nos chama lá fora,
Maria Fumaça que avisa,
tá meia hora atrasada
por conta de muita neblina,
manhãs embaçadas de outono.
Tem dias que eu amanheço
águas tranqüilas, riacho,
vento que venta macio,
cachaça madura, engenho,
dormente de trilho, caminho,
Maria Fumaça, um abraço
e tudo que eu penso ou faço
é fruto das delicadezas...
Manhãs embaçadas de maio,
saudades das Minas Gerais!

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OS QUATRO LADOS DE UM POEMA

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NALDOVELHO

Do lado de fora,
sempre o mesmo lado,
um querubim sedento,
meio embriagado, lia um poema.
Embora isto me doa,
versos debochados.
Do lado de dentro,
sempre o mesmo lado,
um enamorado esculpia um verso.
Embora isto me doa,
muito sentimento.
Do lado de cima,
meio pendurado,
um ser bem desvairado
versejava atento.
Embora isto me doa,
versos bem cuidados.
Do lado de baixo,
versos sem escolha,
desentranhamentos...
Embora isto me doa,
toda a vez que eu toco
sangro mais um pouco.

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INSANOS E PERVERSOS

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NALDOVELHO

Acho que eu vi um gatinho
desfilando calmamente pelo telhado
e um cachorro embaixo latindo!
Cachorros não sobem em telhados...
E eu aqui em meu quarto rindo.
Acho que eu vi um soneto
de versos insanos e perversos,
brotavam das mãos do poeta!
Cantigas de amor são tão lindas,
deixam-me até afrontado.
Acho que eu vi a saudade
que clandestinamente entranhada
em meu peito sussurrava segredos.
Saudade é fruta amargosa,
espinho que se colhe com a rosa.
Acho que o gatinho que eu vi,
escorregou e despencou do telhado.
E o cachorro coitado!
Fugiu assustado
por conta da barulheira
do gato com a roseira, enroscado.
Acho que o poema que eu fiz
dá conta do amor que não me quis.
Acho que o poeta continua rindo
do cachorro, do gato
e dos seus próprios versos,
cada vez mais insanos e perversos.

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NÃO SOU POETA

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NALDOVELHO

Não sou poeta, sou exorcista.
Exorcista dos meus próprios demônios!
E o faço através de versos,
repletos, ardidos, confessos,
que curem antigas feridas,
que me desentranhem os ais.
Não sou poeta, sou mestiço!
Mulato, caboclo, cafuzo,
miscigenados os versos, confuso,
sem medidas métricas ou rimas,
confessadamente insano,
por conflitos estranhos, tamanhos.
Não sou poeta, sou descoberta,
de versos paridos revoltos,
espremidos pela dor e esforço
de deixar vir à tona, coisas viscerais...
Que por mais que eu negue
incomodam e arranham.
Não sou poeta, sou esboço,
de embaçadas e controversas imagens,
contornos sombrios, viagens,
cicatrizes, sinais, tatuagens,
palavras forjadas selvagens,
e a ferro em fogo, profanas.
Não sou poeta, sou inquietude!
Sou buscador de amplitudes,
rastilho de coisa explosiva,
ventania que venta por dentro
e derrama sem constrangimento
sementes doídas demais.

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COISAS GUARDADAS

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NALDOVELHO

Dentro do meu armário, no fundo de uma gaveta, pedaços do meu passado, tiras, retalhos, guardados, tudo devidamente catalogado.

Guardo o quintal da vizinha com amoreira e tudo, e uma mangueira frondosa, manga carnuda e gostosa. Guardo um gato safado, o nome dele é Veludo, e um cachorro vira-latas, já bem velhinho e surdo. Guardo um pato maluco que de quando em vez, anda todo de lado, come chiclete e bola de gude. Guardo uma unha encravada que depois de um racha de rua ficou bastante inflamada e deu um trabalho danado pro Seu Luiz da farmácia conseguir arrancar. Deus do céu, como doeu! Guardo o beijo roubado da filha de uma outra vizinha. Guardo as coxas quentinhas de uma priminha assanhada. Guardo o bilhete amassado escrito por uma ex-namorada que marcou comigo e coitada, ficou constipada e não compareceu. Guardo o pátio do Liceu, onde os primeiros poemas, na realidade rabiscos, loucuras explícitas que aos quinze anos ousei. Guardo as madrugadas impunes, de andar livre e despreocupado. Guardo a turma da esquina e tudo que aprontávamos. Guardo o primeiro maço de cigarros, marca Mistura Fina, e um belo de um catiripapo por estar fumando escondido, foi o Tio Carlinhos quem deu! Guardo o primeiro porre, vinho suave e conhaque. Guardo o primeiro violão, ainda com cordas, mas desafinado. Guardo um monte de sentimentos, todos muito bem enraizados, que o tempo não dissolveu. Guardo as incertezas da vida e um tempo em que eu nada sabia, mas tinha todas as respostas, ou pensava que tinha!

Guardo finalmente a constatação que ainda hoje nada sei. E guardo principalmente e por amor a minha vida, a criança travessa escondida lá no fundo do meu EU.
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DEDICADO AO PECADO

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NALDOVELHO

Hoje podia ser um dia internacionalmente dedicado ao pecado, mas só aos pequenos e saborosos pecados, aqueles que ansiamos em querer viver e que por força de regras, de travas, amarras nos negamos a cometer.

Ficar na cama até mais tarde, preguiça é sempre um delicioso pecado!

Degustar guloseimas, delícias, sem o risco de ter que engordar. A gula é um outro maravilhoso pecado!

Quem sabe uma mulher bem bonita, pele branca e macia com muito veneno nos olhos, que saiba sussurrar baixinho coisas que o coração vive querendo escutar.

Peitinho sem silicone! Tenho medo de mulher turbinada, assim como tenho medo de andar de avião. Rola um quê de impotência, vai que em pleno vôo eu desabo, é muito grande à distância que existe entre o céu e o chão. Talvez seja até por incompetência, talvez seja esse um grande pecado: o de não cobiçar “a perfeição”.

Cobiça não! Esse é um grande pecado, sou capaz de desejar a mulher do lado, mas não sou capaz de cobiçar a mulher do meu irmão.

Andar ocioso pelas ruas sem ter que me preocupar com as horas e se elas vão ou não ter que passar.

Tomar um conhaque, fumar um cigarro, eis aí dois dos pequenos pecados que eu tive de abrir mão.

Esse dia seria uma festa sem hora ou lugar para acabar. Teria a duração da distância entre o ir, o ficar e o voltar, só para que eu pudesse chegar sorrateiro e me aconchegar saliente em seu colo, fazendo com que a eternidade desse instante fosse mais um delicioso e exclusivo pecado do qual nós nunca mais teríamos que abrir mão.
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POETA DÁ SEMPRE MUITO TRABALHO

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NALDOVELHO

É melhor fazer direito,
o coração fica do lado esquerdo do peito.
Encaixe com cuidado, tudo muito bem conectado,
vai ser preciso que ele esteja sempre ligado
para vida que precisa viver.
Que ele esteja muito bem regulado,
não pode ficar batendo atrasado,
nem tão pouco adiantado,
tudo muito bem compassado,
batidas harmonizadas por tanto bem querer.
Importante não esquecer
de inocular energia em dobro,
afinal este coração vai pertencer a um poeta,
tem que ser forte para poder sobreviver.

Agora vamos para o cérebro,
detalhes complicados precisam ser alinhavados,
tudo muito bem interligado,
o racional não pode ser esquecido,
é grande a responsabilidade
daqueles que têm muito a dizer.

Agora o fígado, o pâncreas, os pulmões,
os rins e tudo o mais que ele precise ter.
Olhos e ouvidos, bem aguçados
para que ele possa sempre perceber.

Importante é não esquecer
que todas essas partes precisam ser resistentes,
pois costumam ser muito sacrificadas.
Vida de poeta é sempre tumultuada,
muitos romances, muita paixão,
difícil de entender!

Pronto, já está na hora!
Podem deixar a magia da lua
contaminar todo o lugar.
Agora é só deixar nascer.

Só um instante!
Mandem chamar dois bons anjos da guarda
e recomende sempre muito cuidado,
neste, a proteção tem que ser reforçada,
não se pode facilitar!
Poeta dá sempre muito trabalho,
vocês precisam ver pra crer !

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EMBAÇADAS AS FOLHAS

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NALDOVELHO

Tem janelas, tem portas, trincos, tramelas,
tem sala, tem quarto, cozinha e banheiro,
mobília discreta, ambiente sombrio,
parece uma casa, só não sei se é um lar.

Em cima da mesa, na sala de estar,
tem um vaso com flores
que não se permitem à essência.
Tem também outras plantas, violetas e avencas,
desmaiadas, sem viço, embaçadas as folhas.

Num canto imprensado, um telefone que chama...
É engano, é engano!

Tem estante, têm livros, todos eles fechados.
No quarto uma cama, que vive desfeita,
travesseiros amassados, lençóis amarelados,
a umidade ambiente é bem maior que aparenta.
Muita poeira e mofo, cortinas fechadas,
impedem que o ar possa se renovar.

Nessa casa mora um homem
que se entregou ao abandono,
que não pensa, não tenta e detesta poemas.
Música então, nem pensar!
Dorme muito e quando acorda pede para ir embora.
Já passou dos setenta, não quis ter nenhum filho,
não escreveu o seu livro, não plantou uma árvore,
e eu nem sei o seu nome, e nem como agüenta
viver assim dessa escolha, com medo que doa,
com medo de chorar.

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MAR BRAVIO

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NALDOVELHO

Mar tão bravio fustiga o rochedo dentro de mim.
Força dos ventos, outono de versos, doídos, confessos,
poemas dispersos, recolhidos às pressas, retornam as entranhas.
Calado o verbo, desafiei a peçonha e não resisti.

Lágrima cristalizada, inquietude latente,
as horas que passam, nostalgia presente.
Quem sabe um blue possa me definir?
Um canto bandido, ardido e exprimido,
uma garrafa de Vodka já pela metade,
um cigarro queimando entre os dedos marcados,
um outro esquecido no cinzeiro largado.
E mais um Blue!
Acho que a Janis Joplin passou por aqui!

Quem sabe as águas que chovem insistentes?
São águas de março lavando a cidade.
Quem sabe outra música, revelar a saudade?
Eu tenho um segredo aprisionado, guardado.
Quem sabe a Nana possa me redimir?
A Caymmi é claro!
A outra é uma poetisa, entendida em desentranhamentos,
mas anda lá pelas Gerais, nem aparece mais por aqui!
Quem sabe alguém de palavras certeiras, de versos precisos?
Quem sabe o remédio que eu tanto preciso
possa abrir a janela, renovar o ambiente,
me tocar pro chuveiro, jogar fora o cinzeiro?
Quem sabe um poema brotando em vertentes
faça ressurgir o poeta que acredita na vida?
Quem sabe uma outra música?
Um piano, uma valsa?
Só não quero um bolero, senão eu choro!
Quem sabe amanhece e o mar bravio
pare de fustigar o rochedo que existe dentro de mim?

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AMARGO

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NALDOVELHO

Fico em silêncio remexendo em meus guardados,
em minhas memórias, em minhas histórias.
Luz do quarto apagada e um certo perfume
toma conta do ambiente.
Olho pela janela, lá fora chove,
chuva fina e impertinente.
Aqui dentro a lágrima, teimosa e insistente.

Faz tempo mandei a saudade ir embora.
De nada adiantou, ela não foi!
Já não bebo mais, Martines
e o que ficou foi o vazio...
Vazio das tardes sonolentas.

Rádio e televisão desligados,
um livro chato fechado sobre a mesa.
O título? DA JANELA DO MEU QUARTO.
O autor? Já não o reconheço!
Provavelmente um romântico,
um desses que o vazio desses dias calou.

Acendo um cigarro e o que eu trago é amargo...
Melhor pintar um novo quadro,
mais uma paisagem deserta,

gélida e monocromática.
Violão nem pensar!
Os acordes teimam em me contrariar.
Daqui a pouco anoitece,
vou para a janela do quarto, já não chove!
Melhor parar de chorar.

Da casa vizinha, janela ao lado,
o som de um piano incomoda
e toma conta do ambiente.
A mesma música de sempre:
“eu sei que eu vou te amar,
por toda a minha vida eu vou te amar”.

Temo que esta música

nunca mais vá parar de tocar!
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CIDADE NUBLADA

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NALDOVELHO

Nas primeiras horas da manhã:
janelas abertas, nuvens compactas,
e um vento frio e abusado,
trazendo pra dentro do quarto
cheiro de terra molhada.
Na claridade da manhã,
chuva fina e insistente,
travesseiros amassados
num canto da cama,

ainda desarrumada,
e uma preguiça enorme

a acariciar-me o corpo.
Nada de novo nas horas,
tudo é hoje como era antes.
Nada que mereça um poema,
uma cantiga, ou mesmo uma crônica.
O vazio dos dias me persegue
e a gastura de sempre
não deixa espaço para a inspiração.
Um café quente, um cigarro,
não sei até quando o pulmão agüenta...
Melhor não pensar!
Lá fora os carros que passam,
constroem com a fumaça
um quadro cinzento, estranho...
Cidade nublada, vazia de sonhos.

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SINFONIA ESTRANHA

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NALDOVELHO

Na força dos ventos, sinfonia estranha,
sudoeste se assanha, ressaca de versos.
O cheiro de terra, o inverno lá fora,
a certeza que a hora não tarda a chegar.
As minhas sementes florescem aqui dentro,
dão frutos sadios, de polpas tão tenras,
remédios que o tempo há de preservar.
Poesias, lembranças, miragens, bobagens,
fartura de sonhos sem nenhum cabimento,
mas que dão crescimento, não adianta negar.
Escolhas que eu tive, por falta de escolhas,
caminhos trilhados sem constrangimentos.
A forja de um homem de pele morena,
de olhos castanhos e com um pé no além mar.
Sinfonia de versos, amores passados,
feridas latentes, ainda presentes.
Estranho ofício, poesia que arranha,
inquietude tamanha a me assombrar.
Lá no fundo do meu eu, um precipício
e um animal acuado querendo se libertar.
Mas no coração mora um anjo, menino e travesso,
poeta que eu tenho guardado em meu peito,
que toda a vez que eu choro
derrama um poema pra me consolar.
Sinfonia tamanha, rebelada e estranha,
que transforma as trevas em noite de lua
e depois amanhece, embora me doa,
o sol acontece pra me renovar.
E o animal adormece embalado em meus versos,
sons que eu confesso, cantigas de ninar.

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UM TRIBUTO ÀS GERAIS

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NALDOVELHO

Um vento varreu as Gerais
e espalhou por toda a terra
sementes preciosas, coisas viscerais.
Espalhou o verde
para que se pudesse colher a esperança,
espalhou o azul
de um céu repleto de vivências,
espalhou o amarelo
de tanto ouro e riquezas
e espalhou o vermelho
do sangue dos inconfidentes.
Tantas coisas cristalinas
por este Brasil sem fronteiras.
Tantas cantigas, histórias,
toadas, prosas, poetas, poemas.
Espalhou Elanes, Nanas,
Lírias, Alices e Helenas,
mulheres, preciosas gemas.
Espalhou até o meu encantamento,
pois mesmo não tendo nascido por lá,
aqui surgi, graças a esse pé de vento.
E acreditem !
Geneticamente comprometido
e irremediavelmente inquieto,
por conta de tanta energia nas entranhas
e querendo ser varrido,
por um outro pé de vento,
pra poder semear também.

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BUENA VISTA SOCIAL CLUB

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NALDOVELHO

Passaram-se os anos povoados de enganos,
só ficou o outubro lá dentro de mim.
Os cabelos tão brancos, as rugas no rosto,
os olhos maduros colhidos sem pressa
e as mãos calejadas despejam poemas,
doloridas as cordas do meu violão.
As telas que eu pinto retratam meus sonhos
por vales, marinas, silenciosas paisagens,
solitárias escolhas, caminhos sem fim.
Já faz tanto tempo e eu ainda choro,
lágrimas discretas, repletas, secretas,
primavera lá fora, outono aqui dentro,
janelas e portas permanecem entreabertas.
Passaram-se os anos, inquietos, confessos,
o lirismo é a maneira de mostrar que te amo
em melodias que insistem em dizer eu te quero.
Compassos medidos, revelam saudades,
num tango, num choro e até num cubano,
um daqueles boleros contundentes profanos,
Compay Segundo entendia o que digo,
Buena Vista Social Club não me deixa mentir.

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BELAS PALAVRAS CONSTROEM UM POEMA

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NALDOVELHO

É preciso abrir a cortina...
Quero luz em seu rosto.
Muitas palavras descrevem o seu corpo,
poucas palavras escondem meus medos,
pois são seus os meus segredos,
meu cheiro, meus gostos.

É preciso abrir a janela do quarto.
Quero a brisa suave que embriaga a tarde,
quero o cheiro de terra, de chuva, de flores.

Belas palavras constroem um poema,
muitas palavras definem o que eu sinto,
coisas sagradas preciosamente guardadas.
Eu preciso trazer-lhe um cálice de vinho,
tipo suave, licoroso e branco.

Muitas palavras ditas, sussurradas,
promessas veladas, quanta esperança !
É preciso que haja silêncio do quarto.
Quem sabe uma música
melhore ainda mais o ambiente
e faça você dormir
aconchegada em meus braços ?
Quem sabe você não precise partir?

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MEUS VERSOS

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NALDOVELHO

Destrambelhados, dispersos, confessos,
versos que a vida, feito louca,
teceu em teias complexas,
a demonstrar estiagens,
inquietudes, gasturas,
coisas confusas, bobagens,
tipo coisa de poeta,
que o mundo forjou pela dor.

Assim são os falares
de quem se manteve em viagem
por lugares distantes, paragens,
planícies inóspitas, lunares,
solitários caminhos, sem tino,
nunca escondeu suas lágrimas ,
sangrou o sangue dos tolos
e ainda assim sobreviveu.

Versos em desalinho,
fora do prumo e urgentes,
que jorram, assim, em vertentes,
água ardida, aguardente,
que revelam amplitudes da alma
de quem não aceitou o consolo,
desfez-se dos laços , correntes,
acreditou no amor e sonhou.

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ATÉ BREVE

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NALDOVELHO

Palavras perversas, inquietas, repletas
de muita ousadia, rebeladas, incertas,
contrárias aos versos oprimem o poema,
quedam-se em silêncio ao rejeitar a dor
que a nostalgia que eu tenho é capaz de ofertar.
Negam a saudade e transformam o poeta
num caminhante em busca de outras paisagens,
estiagem que a vida insiste e nos traz
Palavras perversas, indiferentes, vazias,
abortam a poesia, sufocam a emoção
que as lágrimas insistentes teimam em mostrar.
E estabelecem um sorriso amargo e impreciso,
que acossa e só faz silenciar.
Securas que a vida nos traz...
Melhor então fechar as cortinas
e um aviso na porta: o poeta resolveu viajar.
Não se sabe bem pra onde
e nem quando vai voltar.
Melhor então dizer até breve!
Navegar sozinho, eu preciso,
até reencontrar um norte
e restabelecer em mim o juízo.
Desencontros que a vida impõe.

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LINHAS EMBARAÇADAS

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NALDOVELHO

As linhas que constam
embaraçadas as pontas,
nem percebem que avançam
para um nó cego demais.
Já nem percebem quais lágrimas,
cada qual chorou em seu pranto,
nem por conta de qual desencanto
misturaram-se os ais.
Já não conseguem de pronto
revelar cada um o seu nome,
desentranhar um a um seus segredos,
descortinar de uma vez os seus medos.
As linhas que constam
embaraçadas que estão nos revelam,
que o silêncio que domina o ambiente
não vai lhes trazer a paz.

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DEDICADO A VOCÊ

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NALDOVELHO

Pernas e braços me aprisionam, são laços.
Abraços tão cálidos, tão ternos, tão fartos.
As falhas, as fendas, as marcas, as sardas,
escalar a montanha em busca de abrigo,
as farpas, escarpas, precipícios, perigos,
a sede e o fogo, nascente de um rio.
Se eu mergulho me afogo, me acabo em seu cio.
As folhas, as flores, afiados espinhos,
o sonho e a seiva, alimentar o menino,
cicatrizar os seus cortes, curar as feridas.
Seus olhos bordados, tão verdes, felinos,
a forja de um homem se fez em seu colo.
Faca afiada sangra o chão do seu quarto,
o sangue que escorre, se esvai em silêncio,
a lágrima que eu choro, saudades que eu tenho,
a forja de um homem se fez pela dor.
Não feche a janela, deixe a porta entreaberta,
permita que eu fique silencioso ao seu lado.
Sua pele macia, seus seios, seu ventre,
seu cheiro é veneno que embriaga e vicia.
Seu beijo molhado, suas coxas tão quentes,
a forja de um homem se fez no prazer.
De estar protegido, de estar sossegado,
de ter o carinho aconchegado em seu colo,
de ter a beleza preservada neste templo,
corações apaixonados, solo consagrado
ao amor que eu sinto por quem hoje eu tenho.
Este é mais um poema dedicado a você.

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COMPORTAS ABERTAS

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NALDOVELHO

Abertas as comportas os versos transbordam
e atingem em cheio o coração do poeta
que renovado proclama que a enchente instiga
feitiços tamanhos, falares diversos,
remédios pras dores das muitas feridas
proporcionadas pela vida.
E traz também a alquimia de um novo romance,
e traz melodia, ainda que estranha,
que mexe lá dentro e desperta

a magia que existe em mim.
Abertas as portas da casa que eu tenho,
um rio me invade, inunda o quarto
e faz corredeiras lá dentro de mim.
Aberta a janela, que existe na sala,
a lua que eu amo ilumina o ambiente,
que bom que a poesia preservou-se intacta,
que bom que você veio para mim.

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domingo, 15 de fevereiro de 2009

QUE HAJA SEMPRE EM NOSSAS VIDAS

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NALDOVELHO

Que haja sempre em nossas vidas:
caminhos, jornadas,
pousadas, árvores frondosas,
estrategicamente colocadas,
à beira da estrada;
esperas, chegadas,
partidas, saudades,
abraços, muitos laços,
espaços, sementes,
cultivos, colheitas,
frutas tenras e muito trigo,
pão de centeio, vinho tinto,
encorpado, maduro e rascante,
se for do gosto uma garrafa
do licoroso e branco,
muitos beijos, carinhos,
afetos completos,
amigos precisos, raízes profundas,
mesa farta e irmãos.

Que haja sempre em nossas vidas:
crisântemos, jasmins,
samambaias preciosas,
violetas e orquídeas, água de cheiro,
segredos, preciosos, sagrados,
chuva miúda, dias tranqüilos,
cheiro de terra molhada, sorriso de criança
e uma boa dose de esperança,
que nos sirva de remédio
pros desencantos da vida
e pros males do coração.

Que haja sempre em nossas vidas:
primaveras e outonos,
verões mais amenos e invernos suaves,
café bem forte ou conhaque,
flambado e ao ponto,
brisa macia, beira de praia,
lua cheia e exibida,
madrugadas, certezas,
e escolhas, muitas escolhas.
E que saibamos fazê-las,
para que possamos almejar
crescimento e compreensão.

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COISAS TÃO PLENAS

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NALDOVELHO

Trago comigo coisas tão plenas,
prosas em versos, cantigas, poemas,
serenas mensagens de amor e saudade,
vivências que o tempo preservou para mim.
Trago braçadas de rosas vermelhas
e o corpo marcado, espinhos, certezas,
brancos crisântemos, delicados jasmins,
mistura de essências de um sagrado jardim.
Trago comigo histórias de vida,
trilhas abertas em horas incertas,
as mãos calejadas por aparar as arestas
no esculpir dos sonhos que ousei projetar.
Trago comigo frutas tão tenras,
o vinho extraído na inclemência da vida,
o suor e sol na colheita do sal
e um sorriso nos olhos pra poder te ofertar.
Trago comigo o segredo dos magos,
desfaço embaraços, armadilhas, feitiços
e nas ervas trago a cura precisa
pros males que o homem teima em criar.
Trago comigo a força dos ventos,
do ciclo das águas trago a clareza,
também trago um hino à vida que temos
e a certeza de um dia nos reencontrar.

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VERSOS BASTARDOS

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NALDOVELHO

De uma relação promíscua
entre o sonho e o verbo,
nasceu de forma transversa
um poema de versos indigentes
que rebelados e urgentes
por desencontradas rimas
e métricas incoerentes,
foi denominado bastardo
por críticos reticentes.
E por estar impedido ao nome,
ao ser considerado espúrio,
foi chamado de prematuro
e de prosa em versos incandescentes.
Que assim rejeitado pôs-se a falar na vida,
de tudo aquilo o que se sente,
com a linguagem da minha gente
e de um jeito franco e desavergonhado,
sem regras e sem limites,
principalmente destrambelhado
e visceralmente ousado.

Ainda que mestiço,
mulato, caboclo, cafuzo,
e algumas vezes,
um tanto ou quanto confuso,
esta é a minha vertente
e tem a cara de um Brasil bem matreiro
que mistura piano de calda e pandeiro,
zabumba e violino em terreiro,
se bobear, caviar com cachaça
e muita mulata suada na praça
só pra dar água na boca
e um desconforto danado
toda a vez que ela se põe a sambar.
Cravo, pimenta e canela,
só para nos infernizar.

A minha vertente inventa caminhos profanos
por pura irreverência ou pirraça,
desafia zombeteiro e esculacha
aqueles que tentam me aprisionar.

Pois que sejam em prosas os meus versos,
inquietos, indecentes e confessos,
pois a poesia que eu trago
comigo ninguém vai conseguir calar.
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DENTRO DOS SEUS OLHOS

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NALDOVELHO

Dentro dos seus olhos
eu percebo camuflagens,
vestimentas, personagens
tatuados de coragem.
Um mistério, um sortilégio,
entranhadas cicatrizes,
um grito mudo, tanto tédio,
muita vontade de partir.
Dentro dos seus olhos
eu percebo estranhezas,
um bom bocado de tristeza,
muitas lágrimas abortadas,
um sorriso indulgente
pela dor que agora sente,
boa dose de ternura
por quem nada fez pelo porvir.
Dentro dos seus olhos
eu percebo muitos versos,
delicados e repletos,
sentimentos tão confessos,
um enigma, muitas dúvidas
e a certeza inquebrantável,
que apesar da dor sentida
é preciso prosseguir.

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O QUE DEFENDES?

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NALDOVELHO

Defendo a compaixão no coração do homem
e a fraternidade como moeda verdade,
o entendimento como meta incessante
e a caridade como luz no horizonte.

Defendo mãos dadas e abraço apertado,
nós desatados na imensidão dos meus sonhos
e fios desembaraçados tecendo caminhos.

Defendo rios, florestas, campinas,
montanhas, planaltos e mares.

Defendo o direito, não importa a escolha,
e o caminho, não importa o destino.

Defendo o alimento a matar toda a fome
e águas jorrando, saciar toda a sede.

Defendo a dor que redime o pecado
no ventre daquela que nos doou seu carinho.

Defendo o sangue que corre em nossas veias,
não importa a raça, o credo ou o idioma.

Defendo a possibilidade de desfazer o mal feito,
transformando o inimigo num novo amigo.

Defendo a esperança, a cura, a bonança,
defendo a mão que semeia o trigo.
Valei-me Deus! Um futuro melhor.

Só não defendo o forte espoliando o mais fraco,
nem a lâmina afiada derramando sangue.

Só não defendo o ódio, o preconceito, a ofensa
à pessoas inocentes, injustas sentenças,
arbitradas por quem quebrou seus espelhos,
não consegue olhar em seus próprios olhos,
não consegue perceber no que se transformou.

E agora me responda: o que defendes?

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PEDRAS

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NALDOVELHO

Pedras expostas à margem da estrada,
silenciosamente espreitam,

testemunhas discretas de tantas jornadas,
de tantas vivências passadas por aqui.

Pedras expostas à margem da vida
definem trajetórias, desvios de rumo,
delimitam passagens e impedem a dispersão.

Pedras concretas de formas suspeitas
direcionam escolhas e avisam

que o norte já foi definido,
que ao sul vive o perigo,
que a leste não existem abrigos

e que a oeste existe o mar.

Pedras tão frias, guardiãs do caminho,
ameaçam o insurreto, limitam o acesso
à outras jornadas, ainda que íngremes,

permitem ao menino crescer pela dor.

Pedras que o homem materializou com o tempo,
carcereiras decerto dos meus sentimentos,
ameaças constantes por constrangimentos.

Queria ter feito outras escolhas,
queria poder extraí-las de mim.
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CONTRA A MARÉ

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NALDOVELHO

Água cristalina, solitária nascente, gotejando sementes.
Construir o presente no ventre de uma mulher.
Filetes de pedra, mais parecem espinhos,
cristalinas escarpas, fronteiras em desalinho.
Eu vi um menino a escalar a montanha
e a escrever com as mãos o seu próprio destino.
Braço de um rio a sagrar o seu curso,
navegar, navegar, descobrir o seu ninho,
aportar, lançar amarras, alterar meu destino,
fazer do amor que floresce a razão dos meus sonhos.
Poderosa enchente que a tudo renova...
Adernar, naufragar, me afogar em delírio,
descobrir que a dor impulsiona o ser.
Desgovernado que seja, alterar o meu curso,
ver um mar raivoso, ser a foz de um rio,
ou uma velha embarcação resistindo ao açoite.
Prosseguir mar afora, peregrino e vadio,
pela força dos ventos, da saudade e do cansaço.
Eu vi um menino, sobrevivente dos tempos,
a escrever com as mãos o seu próprio destino,
a procura de um norte, a desafiar a própria morte.
Suas mãos calejadas por lutar contra a maré.
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EPÍLOGO

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NALDOVELHO

Palavras, escolhas, fronteiras, delírios,
atalhos, lembranças, clareiras, abrigos,
esperas, romances, distâncias, desvios,
tomei uma balsa do lado errado do rio,
naveguei, naufraguei, me afoguei no passado,
fiz de um dia nublado o meu manto sagrado,
e do amor que eu sinto um precioso guardado.
Renasci no teu colo, jugular nos teus dentes,
pra curar as feridas, só com muita aguardente,
pra curar minha dor, melhor morrer de repente,
mas morrer bem depressa, apagar minha mente,
só assim o teu cheiro se perderá em segredo,
só assim o segredo permanecerá bem latente,
só assim o meu medo se dissipará no desejo
de recomeçar outra trilha, outra busca inquietante
de construir outra vida, de preferência inocente,
pois por ser hoje um homem que se fez tão descrente,
já não crê na magia de que o amor é capaz,
já não se apraz com seus versos, amargos demais !

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SEM VOCÊ...

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NALDOVELHO

Em meu corpo eu percebo
tatuagens, camuflagens,
vestígios dos seus passos,
madrugadas, desencantos,
cicatrizes que latejam
toda a vez que a saudade
desentranha algum poema
e faz lembrar que a distância
deixou marcas, deixou pranto,
coisa ardida em meu peito.
Ainda sinto o seu cheiro,
ainda lembro dos seus olhos
e o calor dos seus abraços,
não consigo compreender.
E os meus olhos denunciam
tantas coisas, meus segredos,
vestígios dos meus sonhos,
ainda bem que as pessoas
apressados quando passam
não enxergam, não escutam,
e quando lêem meus poemas
não conseguem entender.
E em meu rosto um sorriso,
um bom disfarce é preciso.
Se o coração bate depressa
e a lágrima se revela,
foi só um cisco, não se assustem!
Vida que segue sem você.

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NO FUNDO DO MEU QUINTAL

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NALDOVELHO

Todos os dias ao entardecer,
no fundo do meu quintal,
de uma fonte de águas cristalinas,
nasce a lua menina.
E nasce espremidinha,
lua nova pequenina,
que na medida que vai crescendo,
vai também se ascendendo,
até no céu poder se ver.
Ah! Lua que eu tenho,
que nem sabe o quanto
o poeta gosta de você.

E tem mais nascimentos na fonte:
outro dia nasceu uma Iara
de cabelos envolvidos em teias,
nebulosas, estrelas formosas,
olhos serenos em rosto pequeno,
parecia mais uma princesa
e roubou meu bem querer.
Ah! Iara que eu sonho,
que nem sabe o quanto dos meus versos
foram dedicados a você.

E é desta fonte de águas cristalinas
que eu extraio o remédio pro tédio,
pras dores dos desentranhamentos,
pros vazios e pros constrangimentos
que a danada desta vida
costuma me ofertar.
Ah! Fonte que eu tenho,
que nem sabe quanta ternura
eu costumo colher em você.

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OFERENDA DE VERSOS

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NALDOVELHO

Se espalhas sementes por onde passas,
eu colho vivências, esperanças esparsas.
Se concretizas o sonho, o reencontro, o abraço,
eu construo distâncias por tudo que faço.
Se trazes tesouros, preciosas essências,
eu tenho quase nada, além de carências.
Se tens um sorriso sempre aceso nos olhos,
eu tenho em meus olhos saudades que choro.
Se vais abraçada a essa gente irmã,
eu tenho a loucura das solitárias manhãs.
E ainda que digas que conheces meus passos,
que tens o remédio pra curar-me o cansaço,
confuso é o caminho, reescrever meu destino,
distante é a foz, corredeiras sem tino.
Pois sou ventania que varre inquieta,
acidentado caminho, escolha incerta,
moinho de vento que venta ao contrário
e da poesia que ouso, fiel relicário.
Senhora dos tempos, da fé que eu professo,
oferenda de versos que eu construo confessos,
abençoa o caminho que eu vivo e vivi.
Quem sabe o amor possa ser meu porvir?

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SORTILÉGIO

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NALDOVELHO

Bruxos, magos, feitiços, cometer sortilégios.
Talismã bem guardado, cuidadosamente energizado.
Iaras, sedutoras sereias em noites de lua cheia...
Uma delas me encantou.
Paixão derradeira que o mar inclemente levou.

Desfazer a magia, o novelo de lá,
que um gato vadio por puro capricho embaraçou.
Cavalos alados, um dragão embriagado
botando fogo pra todo lado.
Moinhos de vento, continuo um menino,
apesar do inverno e da poeira da estrada
que ao meu corpo se entranhou.

Castelos, princesas, um cavaleiro sem medo,
fortemente armado, sua bandeira é a procura
por tudo aquilo que seja sagrado,
sua espada é o sentimento, sua armadura é a dor.

Em noite de lua cheia atravessei o portal
e com a estrela da manhã fiz mandalas na areia
que o mar inclemente na boca do dia
por pura maldade, enfim, desmanchou.

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ESFINGE

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NALDOVELHO

Esfinge que finge
não temer os meus versos,
imploro aos seus olhos
um caminho, um atalho,
a palavra correta
que me leve ao seu colo.
A chave de um sonho,
revelar seus mistérios,
mulher que me abraça
e me devora as entranhas.
Estranha é a leoa
que assanha e arranha,
que fere e me chama,
só pra dizer que me ama
e depois me abandona
aprisionado ao seu cheiro.
Revela o encanto
que eu pressinto e permeio,
esfinge que finge
não temer os meus versos,
eu sei que um poema
vai revelar o enigma,
desvendar o caminho
e me levar à loucura.

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HERANÇA

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NALDOVELHO

Vou deixar de herança
o silêncio dos meus versos
e mesmo os que já foram escritos
desaparecerão por completo.
Vou deixar um violão sufocado
e cantigas que só eu sei,
caladas lá dentro de mim.
Se perguntarem o porquê?
Digam que por clausura
o poeta calou sua loucura
e não mais ousou seus poemas.
Vou deixar também telas brancas
de imagens que eu nunca pintei,
matizes ausentes, omissos
por lágrimas que eu não chorei.
Vou deixar portas fechadas,
gavetas vazias trancadas,
segredos não revelados,
histórias que eu não contei.
Vou deixar uma lacuna imensa
de sementes não germinadas,
de terra árida e descrente
dos sonhos que um dia eu sonhei.

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ENIGMA

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NALDOVELHO

Tem o azul, tem noites de lua,
tem a insônia insistente,

madrugadas tão quentes...

Tem gotas de chuva molhando a cidade,
tem cheiro de terra molhada que invade e atiça
a inquietude lá dentro de mim.

Tem saudade latente, mas sempre presente,
tem segredo sagrado, preciosamente guardado,
enigma que eu trago somente para mim.

Tem a eternidade de um instante
a revelar meus poemas
e a mostrar que, quando verdadeiro,
o amor desconhece o significado
da palavra adeus.

Tem muita esperança ardendo no peito,
tem até cidade nublada, seu nome é...
Quase revelo o segredo!
Melhor deixar assim.

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INCOERÊNCIAS

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NALDOVELHO

Trago as costas arqueadas
pela força do chicote
e o risco da navalha
desenhado em meu rosto.
Trago flechas encravadas
espalhadas pelo corpo
e as mãos ensangüentadas
pela dor de tanto esforço.

Trago a lágrima chorada
na plenitude dos meus ais
e no peito a certeza
de chorar ainda mais.
Trago a pele já curtida
por caminhos, invernadas
e o demônio aprisionado,
companheiro de jornada.

Trago o santo e o obsceno
em batalhas desmedidas
e a sanha desta vida
por atalhos, despedidas.
Trago a escolha de um rumo,
conseqüências, incertezas
e perda eminente
por ter sido incoerente.

Trago lábios encharcados
de sorrisos e ternuras
e nos versos o veneno,
a inquietude e a loucura.
Sou poeta, sou cigano,
eremita, vagabundo,
coisa incerta e descoberta
pelas trilhas deste mundo.

Ventania, correnteza,
mar bravio, aspereza,
água pura e aguardente,
sangue frio e sangue quente.
Sou deserto, sou oásis,
sou procura, sou viagem,
sou espinho que arranha,
sou verdade, sou miragem.

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OUTONO DE SONHOS

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NALDOVELHO

Armadilhas, tocaias, acidentados atalhos,
trilhas, espinhos, desvios de rumo,
perdi o meu prumo, vesti um agasalho,
em meio à tormenta semeei tantas coisas,
uma árvore frondosa foi o que me restou.
Na trilha dos ventos, um refúgio, um abrigo,
o rochedo resiste ao açoite inclemente,
outono de sonhos, de folhas, de flores,
a chuva se apressa e inunda o caminho.
Colheita de versos desordenados, dispersos,
imagens cinzentas, entardecer de junho,
saudades que eu tenho, me sinto sozinho
ao dedilhar o meu pranto, melodia de enganos,
uma toada que eu canto para espantar minha dor.

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sábado, 14 de fevereiro de 2009

OUTUBRO

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NALDOVELHO

Outubro estranho, controverso, sem graça,
primavera por fora, inverno por dentro.
Um beijo doído, de lágrimas contidas,
você foi embora, e eu não impedi.
Aperto no peito, saudade latente,
até hoje presente, incomoda e arranha.
Ainda tenho o cigarro a queimar entre os dedos,
ainda sinto o seu cheiro, não adianta negar.
Já faz tanto tempo e nada mudou,
continuamos distantes e persiste o amor.
Melhor silenciar, senão eu choro,
já estou velho demais
para esconder os meus ais.
Já não tenho mais planos
e não importa o que eu faça,
é inverno aqui dentro, não posso negar.

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A OUTRA METADE

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NALDOVELHO

Toda vez que você fica amarga,
eu sinto assim, alguma coisa estranha,
tipo aperto no peito,
coisa que eu não sei explicar direito
e que custa tanto a passar.

Toda a vez que você chora,
meus olhos ficam como se marejados
e são sempre lágrimas rebeldes,
dessas que nos surpreendem fugidias
e que sem mais nem menos teimam em chorar.

Toda vez que você sente saudades
eu fico aqui a sentir essa tal de nostalgia,
dá uma inquietude danada
e eu sem saber o motivo
fico bestando uma resposta,
acabo lembrando o seu rosto
e fico sussurrando o seu nome...
Resultado: sinto saudades também!

Toda vez que você sorri satisfeita,
eu sinto que a vida se ajeita,
e um novo ânimo se assanha,
brotando num sorriso abusado
que toma conta do meu rosto
como uma nova esperança pelo ar.

E então, me vejo debruçado em poemas,
acreditando na magia de um caminho,
de um atalho que me leve direto ao seu colo
para que eu possa me sentir inteiro,
pois este nosso caso não tem mais jeito,
fez deste poeta um pedaço,
a outra metade de você.

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ÀS VEZES PENSO

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NALDOVELHO

Às vezes penso em ti como um beija-flor
e aí te percebo leoa de presas dispostas
a devorar-me em postas, pois eu sei
que tu gostas de ser servida assim.
Às vezes penso em ti como uma princesa
e aí te percebo tal qual camponesa
a alimentar os profanos, pois eu sei
como tu gostas de ser servida assim.
Às vezes eu penso em ti como um sonho,
e aí te percebo um delírio, pesadelo, perigo,
pois eu sei que no fundo
gostas de ser vista assim.
Às vezes eu penso em mim como um tolo
que vive a alinhavar versos,
mandalas, ritos confessos,
desejando estar em tua cama
por uma noite que seja,
adormecer e acordar do teu lado...
Coisa pra nunca mais esquecer!

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BELEZA TRISTE

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NALDOVELHO

Como pode um poema ser belo
e ainda assim ser triste?
Existirá a beleza triste?

Confesse que no entardecer
rola um quê de tristeza,
bate uma nostalgia,
coisa que não se consegue explicar.

E a lágrima no rosto da mulher amada?
Muito triste!
Mas ainda assim, reside ali uma beleza
que por mais que sejamos fortes,
homem nenhum resiste!

E o olhar desconsolado de um filho,
ainda bem criança, ao se despedir,
manhã cedo, quando você vai trabalhar?
Alguém resiste?

Madrugada deserta com noite de lua cheia...
Melhor nem comentar!

O som das águas do mar a acariciar a areia,
praia deserta, tardes de inverno,
chuva fina e macia...
Consegue se situar ?

Música cigana, visceral e profana,
um tango arrastado e insano,
um chorão com Zé da Velha ao trombone
e o Paulo Moura a nos atormentar,
vocês precisam escutar!

É beleza triste existe...
E é disto que o poeta costuma se alimentar.

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ACORDA O MENESTREL

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NALDOVELHO

Acorda o menestrel
e diz para ele
que a noite espera ansiosa
pelos acordes do seu violão.
Acorda o menestrel
e diz para ele
que a musa aguarda fogosa
bordando motivos de rosa
em tecidos de algodão.
Acorda menestrel, acorda !
Doce ilusão,
o menestrel jaz eternamente,
por conta de uma bala perdida
a espera da extrema unção.
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A MULHER DOS MEUS SONHOS

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NALDOVELHO

A mulher dos meus sonhos
tece teias em volta da minha cama
e afirma que esse é um direito
que ninguém vai lhe tirar.
E enquanto tece malhas,
redes, armadilhas,
canta o canto das sereias
e diz que é pra me proteger.

A mulher dos meus sonhos
escreve poemas sem rimas,
palavras fortes em versos,
confessadamente complexos
e diz que a vida assim nos ensina.

A mulher dos meus sonhos
tem a adaga suja de sangue
e diz que está sempre com fome,
pronta pra me devorar.

A mulher dos meus sonhos
tem gosto de fruta ardida,
tem pele morena e curtida,
de tantas e tantas batalhas,
por saques, por prendas, espólios,
e eu, misto de tolo e insano,
prisioneiro num sonho estranho,
peço a Deus o privilégio
de ali me eternizar.

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PELO PRAZER DE UMA DANÇA

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NALDOVELHO

Por que reclamas?
Será que por conta dos muitos enganos?
Às vezes o amor acontece
sem promessas nem planos.
Às vezes é amor indecente,
que brota abusado e envolvente,
na verdade incoerente,

sem razão nem porquê,
pura paixão!
Que nos toma corações e mentes,
nos faz ir as alturas e depois se vai...
Sem ao menos se despedir,
deixando apenas lembrança
de uma doce e suave fragrância,
de uma música, de uma dança
que deveria ter sido plena,
mas que por força dos teus devaneios
não conseguiste concretizar.

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A MULHER QUE EU AMO

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NALDOVELHO

A mulher que eu amo
tem nome de princesa
e até título de nobreza
conquistado na aspereza
que a vida costuma ofertar.

A mulher que eu amo
traz nas mãos muita magia,
é a razão da poesia
e é quem por amor me acaricia,
me protege como cria
e me ensina a caminhar.

A mulher que eu amo
é fonte de toda a ternura,
é luz que brilha em noite escura,
é sonho, é delírio, é loucura,
é antídoto para a amargura
que a solidão teima em mostrar.

A mulher que eu amo,
me aquece nas noites de inverno,
me alimenta em seu colo macio,
me trata como um menino
que a todo instante se faz fugidio,
mas que fez do seu ser um lar.
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BEIJA-FLOR AFOGADO NO MANGUE

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NALDOVELHO

Chuva que chove por dentro,
vidraça embaçada por fora
e um vento virado do avesso
derrama meus sentimentos.
E a esfinge se ajoelha e chora,
segredo revelado faz tempo,
e o homem apressado nem olha,
não há nada de novo nas horas.
Um menino sofrido e sozinho,
beija-flor afogado no mangue,
a roseira que eu trago comigo
tem espinhos manchados de sangue.
Um cão pachorrento implora
pelo fogo do firmamento,
pois é lenta a marcha das horas,
soterradas nos constrangimentos.
E um tango ardido me chama,
nostalgia que eu temo se assanha,
luz da lua machuca as entranhas,
magia passional e profana.
Agora chove aqui dentro e lá fora
e no derrame dos meus sentimentos,
jorram versos que eu ouso e penso,
são poemas virados do avesso.
Beija-flor afogado no mangue.

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CENA

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NALDOVELHO

Em seus olhos eu percebo
promessas, encontros, essências,
dose certa de desassossego,
medida e meia de carícias
e uma certa contundência
por ter se entregue inteira
às trilhas desta vida.
Em sua boca eu prevejo
o perigo da peçonha
e um abrigo à insônia
que tanto tormento traz.
Do seu colo escorrem seivas,
dos seus seios a malícia,
pois sempre na tocaia
vivem a me desafiar.
Das coxas suadas,
orvalhadas, como queira!
preciosa e ardilosa teia
a me manter ser cativo,
entranhado, enlaçado
e em correntes feito escravo
não consigo escapulir.
Minhas pernas não respondem,
presa fácil entre os dentes.
E um pouco abaixo do seu ventre,
olho d’água pulsa ardente
por esfregas indecentes,
por entregas ansiosas,
encaixados, descuidados,
já nem sei por onde ir.

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CIDADE NUBLADA

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NALDOVELHO

Cidade nublada, madrugada tão fria,
já faz algum tempo, não vejo o seu rosto,
não sinto o seu corpo, não ouço a sua voz.
Cidade trancada, o mês é outubro
e a primavera chuvosa procura um caminho
entre as ruas concretas para poder florescer.
Cidade truncada, também é poema
e o nome é desterro, sobrenome escolha,
algumas delas erradas!
Lá mora a distância entre o tudo e o nada.
Cidade fragmentada de tantos sonhos, saudades,
de tantos outros poemas, de tantos cacos, pedaços,
sentimentos cristalizados que ainda doem espetados
no meu corpo e em meus guardados.
Queria ser um bruxo, quem sabe?
Para poder fazer voltar o tempo,
para poder ser um pé de vento
e assim ventar apressado,
voar como voa um ser alado e ir pra junto de ti.

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EM CIMA DA MESA

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NALDOVELHO

As portas, os trincos, as trancas, tramelas,
janelas fechadas, carências, esperas,
fiquei tão sozinho, estranha quimera.
Junto ao abismo construí o meu ninho,
maresia que rola corrói as entranhas
e o vento que bate apaga a chama.
Nostalgia tamanha, incomoda e arranha.
O som de um piano, harmonia de enganos,
dissonâncias que a vida deixou de presente,
ainda as guardo comigo, todas latentes.
Cortina entreaberta, penumbra ambiente,
o rádio ligado, melodia estranha,
um poema com versos inquietos, profanos.
A campainha que toca, provável engano.
Faz tempo eu mudei, não avisei a ninguém!
Vivo trancado, só que ainda não sei.
Do caminho, passagem, perdi minha chave!
As lágrimas que eu tenho, conservo-as acesas,
e os muitos guardados revelam tristezas,
e os muitos poemas testemunham a cena.
Testamento que eu deixo em cima da mesa.

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COLHEITA DE VERSOS

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NALDOVELHO

Colheita de versos, esparramados, dispersos.
Ordená-los sem pressa, de preferência num livro,
que é o melhor abrigo pros açodamentos do tempo,
pois é lá que existe o remédio, a cura pro tédio,
e a magia que propicia ao solitário
a viagem por terras, amores, países estranhos,
esquinas, romances, por colos, donzelas,
por portas, janelas, todas elas sem trancas,
sem trincos ou tramelas.

Colheita de versos, paridos nostálgicos,
profanos, bastardos, controversas escolhas
que embora ainda doam, mostram sentimento,
revelam as vivências que o poeta decidiu para si.

Colheitas de versos, rimados ou não,
metrificados, às vezes, não importam as regras,
o que me importa a erudição?
Algemas que impedem que o dito seja dito
sem nenhum constrangimento,
pois é a palavra que nos revela
todo o encantamento que precisamos viver.

Colheita de versos que eu proponho confessos,
que revelam segredos, exorcizam meus medos,
cicatrizam feridas, tiram de mim a casca
que eu precisei construir para sobreviver.

Colheita de versos, que bom que eu os tenho!
Ainda que safados, indecentes, indigentes,
que ejaculados sem pressa vão fertilizando as folhas...
Quem sabe algum dia alguém possa colher?

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CIDADE DOS ANJOS

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NALDOVELHO

Portas fechadas, ruas desertas,
nenhuma conversa, janela entreaberta,
silêncio inquietante em quarto minguante
e o telefone se toca, desculpe, é engano!

Cidade vazia, distante e perversa,
sobrou um perfume e um livro estranho.

Cidade dos anjos, caídos, sem sonhos,
de asas quebradas não podem voar.

Sobrou um poema de versos profanos
e na madrugada vazia de planos
um bolero arrastado, um tango e um blue,
avisam que o dia ainda custa a chegar.

E mais uma dose de pura aguardente...
A sede que eu tenho já faz tantos anos,
cicatrizes que trago, a maioria latentes,
algumas ardidas ainda sangram se toco,
outras antigas exibidas nos olhos,
vez por outra ainda choram
se me ponho a lembrar.

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FERIDA DE MORTE

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NALDOVELHO

Ferida de morte a palavra se contorce,
se arrasta e agoniza e num último alento,
desanimada, nos avisa:
faltam ainda escassos poemas,
sentimentos confessos a serem materializados
em versos, epitáfios, doloridos, perversos,
que eu nem sei se valerão a pena.

Melhor nem serem lidos!
E se lidos, melhor não levá-los a sério,
pois as letras se dispõem raivosas,
embaralhas, teimosas
e se negam a nos mostrar solidárias
os seus mais preciosos segredos.
E por tudo que acredito sagrado,
eu me recuso a desentranhar-lhe os meus medos.

Melhor seria então o silêncio,
pois sem nexo se fez o enredo
que por piedade precisa ser desfeito.

O que será do poeta
que não encontrou a chave da porta?
O que será do poeta
que na vida não mais se importa?
O que será do poeta
que não consegue abrir as janelas?

Sei não!
Epitáfio nenhum tem sentido
com as letras, desta forma, indispostas.
Por que a palavra foi morta?
Por que tamanho castigo?

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EU NEGO

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NALDOVELHO

Qualquer coisa que digam
que possa relacionar-me a tua pessoa,

eu nego!
Veementemente nego!

Nego que te ame,
ou mesmo que a qualquer tempo
tenha te amado como dizias.
Nego que tenha, a qualquer pretexto,
debruçado-me em versos
que dissessem da minha saudade,
da ausência que costumeiramente me invade,
ou mesmo da danada da nostalgia
que o poeta sente e se ressente
por ter te amado como dizias.
Nego até que eu seja um poeta!
Um desses que costuma

desencravar poemas
por conta de desencontros,
de dor de partida,
de coisas mal resolvidas!

Acredite: eu nego!
Nego que acredite em feitiços,
em outono, em invernos...
Primavera então, nem pensar!
Irritam-me as flores e os pássaros
e aquilo que costumam inspirar.
Nego que o ar que eu respiro
seja impregnado por tua essência,
se me lembro bem, alfazema!
E qualquer coisa que digam
é a mais pura e absurda fantasia.
Nego até que o sol insistente,
contra a minha razão e vontade,
nasça pela manhã, todos os dias...

Só uma coisa eu confirmo:
sou um mentiroso confesso
e isto não posso negar!

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CRISES

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NALDOVELHO

Caminho profuso em crises,
profundas seqüelas, passagens,
vestígios, sinais de mim mesmo,
testemunhos dos meus ais.

O feitiço, conjurado na terra,
só o vento pode desmanchar.
O feitiço, forjado a fogo,
só a água pode amenizar.

Sangue, suor e desgosto,
securas de lágrimas por dentro,
dor de constrangimento,
de culpa e destrambelhamento.

A teia que a aranha constrói,
aprisiona, sufoca, destrói.
Os cortes talhados na carne
só com o tempo vão cicatrizar.

O vinho derramado na mesa,
o pão mofado no armário,
toalha manchada de sangue,
nada que eu possa ofertar.

O terço que eu rezo faz tempo,
palavras que revelam poemas,
só aprofundam a dor que eu sinto,
nada que se possa curar.

Templos profanados, pecados,
escolhas, que eu faço, erradas...
E mais crises, cruzes e credos,
inquietudes que eu trago em sementes.

Teci por descuido um feitiço,
por nostalgias, lamentos, gasturas,
e hoje, por mais que eu queira e tente,
não consigo exorcizar.

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EM MEU PEITO

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NALDOVELHO

Em meu peito eu percebo

cicatrizes tão doídas,
tantas farpas espetadas,

vez por outra ainda doem,
toda a vez que o tempo muda

reacendem-se os meus ais.

Uma artéria entupida,

algum sangue coagulado,
respiração anda ofegante,

batimento acelerado,
inquietude insistente,

sentimentos sufocados,
uma insônia contumaz,

nostalgia vive solta,
fez morada em meus poemas,

foi embora nunca mais.

Em meu peito eu percebo,

queimaduras bem recentes,
o conflito eminente

entre o anjo e o diabo,
toda a vez que a lua atiça,

sinto areia movediça,
sinto um rio de águas quentes

e me afogo um pouco mais.

Em meu peito eu percebo

um carinho ofertado,
ainda estás nos meus guardados,

não importa a distância,
sobrevive a esperança,

são lembranças preciosas,
e a marca dos teus dentes

ainda guardo de presente,
e o cheiro de alfazema

ainda está no ambiente...

São gasturas, que eu confesso,
entranhadas em meus versos,
toda a vez que eu abro a porta,

a saudade diz presente!

Em meu peito eu percebo

tua imagem tatuada,
estiagem, abandono.
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GOTAS

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NALDOVELHO

Gotas loucas brotam tantas,
salgadas, vadias e jorram fartas,
inundam a cena e qual fonte de um rio
criam corredeiras dentro do quarto.

Gotas indecentes brotam urgentes,
licorosas, ardentes, embriagam, viciam,
principalmente aquelas que revelam vertentes
e fecundam sementes lá dentro de nós.

Gotas doídas brotam espremidas,
são feito remédio e ainda que a dor
permaneça latente, anestesiam-me os ais.

Gotas que brotam, e em mim são freqüentes,
revelam ardores, essências, odores,
desejos, segredos, fraquezas, esperas...

Revelam também o medo que eu tenho
de um dia chorar e não saber mais o porquê.

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POR CONTA DA PAIXÃO

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NALDOVELHO

Caminhos umedecidos,
emaranhados, enlouquecidos.
Textura, relevo, labirinto, clausura.
Pernas embriagadas, trêmulas, embaralhadas.
Saliva, suor, delírio, gemido.
Se tomo um atalho, naufrago em teus seios.
Se ando apressado, mergulho em teu colo.
Se os gestos são densos, descortino enredos
e por menor que seja o descuido,
há sempre o abismo.
Linhas embaraçadas revelam a trama,
destinos cruzados revelam meus medos.
Língua explorando língua descobrem segredos
e a porta do quarto convenientemente fechada,
janela entreaberta, brisa quente me invade.
Se digo te quero, revelo meus sonhos.
Se digo te amo, descubro teus sonhos.
Cicatriz ainda queima dos muitos enganos.
A pele ainda é fina costuma sangrar.
A dor que eu tive, faz tempo, custou muito a sarar.
Se digo o que digo é porque tenho planos.
Se faço o que faço é por conta dos nós,
que costumam ser cegos, impossíveis de desatar.
Caminhos traçados por conta da paixão.

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FIOS

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NALDOVELHO

Fios em desalinho embaraçam a trama,
arranham, deformam e até infeccionam.
Fios dependurados em sobras complexas,
reinventam o pecado, se excedem nos dramas.
Fios compactados num só ponto, amontoados,
transformam o tecido em pedra e dão limo.
Fios puídos enfraquecem o tecido,
distorcidas imagens, revelam estragos.
Fios, tecidos, esparramados pra todo o lado.
Pessoas são fios embaraçados na trama.
Texturas são dramas que buscam um caminho,
dissolvendo as pedras, limpando o limo.
Fios contorcidos entulham o ambiente,
impedem o bordado, não servem, coitados!
Melhor desembaraçar as linhas, destinos,
textura e tecido precisam respirar.

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É VER PARA CRER

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NALDOVELHO

Dias lentos, sonolentos,
nada que nos acene,
desmaiadas as cores no firmamento.
Dias pobres, calmaria,
onde a paixão e a poesia
mostram-se apáticas, mornas, estáticas.
Dias tolos, ocos, onde sequer um esboço
mostra-se disposto a materializar-nos o esforço.
Melhor tirar da janela a trava
e colocar no parapeito um cata-vento.
Melhor provocar a palavra,
mesmo a custa de desentranhamento.
Melhor gritar o seu nome,
mesmo que seja pra dentro.
Quem sabe a saudade volte?
E traga dor de destrambelhamento.
Quem sabe o poema acorde?
Pois ainda que você não concorde,
ele resiste e não morre.
Daqui a pouco esquenta e explode.
É ver para crer!

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CAMINHOS CONTRÁRIOS

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NALDOVELHO

Caminho contrário à força dos ventos,
poema do avesso, perdi meu apreço,
ainda tenho as malas, mas não sei o endereço,
os meus olhos não vêem as margens da estrada,
mas percebo ao longe o barulho das águas,
o cheiro das matas, da terra molhada,
e sinto na carne o chicote do tempo
que vibra inclemente e traz dor de presente.
Caminho escorregadio, perigoso e estranho,
e tem um abismo, lado esquerdo da estrada,
ainda que eu não o veja, eu sei, está lá.
Escolhas que eu fiz e, ainda hoje, as faço,
por íngremes picadas, acessos que eu tento,
sempre ao relento, madrugadas molhadas.
Solidão e tristeza numa longa jornada,
dormir ao relento, comer quase nada,
nenhuma estalagem que me sirva aguardente,
nenhum colo quente de beira de estrada,
só o silêncio de outras jornadas,
viajantes que trilham caminhos complexos,
ainda assim, diferentes, contrários ao meu.

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O CICLO DOS VERSOS

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NALDOVELHO

A espera inquietante, o amanhã que não chega,
as horas tão lentas, grudentas, sedentas,
o instante presente preso ao passado,
e as janelas da casa permanecem fechadas.
Lá fora um anjo avalia os estragos,
aqui dentro um demônio, estiagem de sonhos.
Lá fora um vento sacode a cidade,
aqui dentro calmaria, nostalgia, saudade.
Uma garrafa de vodka, já pela metade,
papeis espalhados pelo chão do meu quarto.
Palavras recolhidas, reprimidas, indispostas,
poemas abortados ou colocados de lado.
A campainha da porta, faz tempo não toca
e o meu telefone quando toca é engano.
Lá fora o vento trouxe chuva bem forte,
aqui dentro calmaria trouxe medo da morte.
E insônia insistente avisa que é cedo,
vidraça embaçada, cidade nublada,
o rádio ligado, sintonia em desterro
e a música que toca revela segredos,
remexe em guardados, cicatrizes ardidas.
Lá fora o tempo melhorou e amanhece,
aqui dentro a chuva desperta e anoitece.
São águas que escorrem, recém nascido o poema,
ainda bem que os versos arrombaram comportas,
não mais cristalizados, represados em mim.
Lá fora um anjo sorri satisfeito,
aqui dentro o poeta se aquieta e dorme.

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CORPOS ENTRELAÇADOS

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NALDOVELHO

Sorrisos, olhares, odores, texturas...
palavras cálidas, tão ávidas, ternuras,
carinhos insanos, profanos, procuras,
janelas fechadas, inquietudes, loucuras,
verdades expostas, dispostas, ardidas,
línguas embaraçadas, querências paridas,
lágrimas tontas, choradas espremidas,
o silêncio e o sonho a forjar nossas vidas.

Minhas pernas destoam, embaralhados os passos,
suas marcas tatuadas a ferro e fogo em meus braços,
lacunas, vazios, preencher os espaços,
deixei em seu leito minhas marcas, meu rastro,
na procura de outras vias, concretas, confessas,
que me levassem pra dentro e que fosse depressa,
pois nada mais o quê se diga sobre nós interessa!
Melhor mantermos apertados os nós que nos restam.

Cortina entreaberta a tarde anoitece
e o silêncio revela o sussurrar de uma prece.
Ao som de um piano um coração que se aquece,
se contraí num orgasmo e depois adormece.
Não deixe a semente lançada a esmo,
não levo mais nada além da dor de mim mesmo,
dor de poesia que sobrevive e me assanha,
na madrugada de versos que ao meu corpo se entranha.
São versos molhados, cadenciados, ousados,
com rimas perfeitas de corpos entrelaçados.

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CASA DAS COISAS

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NALDOVELHO

A casa das coisas
guarda coisas preciosas,
pequenos cristais reluzentes,
sentimentos materializados,
tirados de dentro da gente.
Guarda também com cuidado
o coração de um poeta
que pulsa assim afrontado,
batendo descompassado
por tanto amor que ele sente.

Guarda lembranças sagradas,
imagens eternizadas,
palavras, versos, poemas...
Guarda também meus segredos,
testemunhos das minhas escolhas,
registro dos meus dilemas.

A casa das coisas
guarda coisas sagradas:
guarda o gosto do último beijo
e o cheiro do teu desejo,
coisas que eu não esqueço.
Guarda a lágrima cristalizada
que abortada não foi chorada
e que até hoje incomoda e arde,
encravada, tipo farpa espetada
no canto do meu olho esquerdo.

A casa das coisas não tem trincos,
não tem fechaduras, nem tramelas,
e é lá que mora o meu sonho.

E na parede do quarto
está escrito o teu nome
e este é mais um guardado,
precioso e sagrado
que a ninguém podemos revelar.

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ATO DE CORAGEM

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NALDOVELHO

Poesia é ato de coragem,
é dizer diferente aquilo que todo mundo sente.
É materializar paixões, idéias, sentimentos.
É dissolver coisas cristalizadas,
faz tempo dentro da gente.

Poesia é ato de verdade,
é revelar segredos camuflados no poema.
É cicatrizar feridas, estancar o sangue...
É transformar lágrima em verso,
visceral, pleno e confesso.

Poesia é cumplicidade,
é trato feito entre o homem e o poeta,
é embaraçar os fios do tempo,
é semear bons frutos pela vida
sem saber se vão ser colhidos depois.

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ACORDA!

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NALDOVELHO

Acorda a corda
do violão que discorda
e se nega a ficar afinada,
harmonizada às outras cordas
e por tanta e insistente teimosia,
impede que eu faça a melodia
que a poesia precisa e pretende
para enaltecer em mim o amor.

Acorda o verso
que sonâmbulo se fez desconexo,
embaralhado dentro do tema,
a gargalhar na hora do pranto
e a ironizar com o desencanto,
pois não foi tão bom nem tanto,
melhor então que acabou !

Acorda a lágrima
que sonolenta entalou na garganta
sob o pretexto de matar-me a sede.
Lágrima salgada e desencontrada,
só aumenta a secura que estou
e não revela o dor que ficou .

Acorda o sonho
que por instantes virou pesadelo
de sombrias e insanas imagens,
sentimento transformado em miragem,
coisa sem sentido, bobagem,
história de um poeta bem tolo,
obsedado pelo desamor.

Acorda os olhos
e olha o que a vida ensina,
expulsa do quarto a neblina
e assim rebelado reafirma
que coração de poeta é mais forte,
resiste ao desalento e a morte,
para que com raiva eu escreva
um poema de amor

ao muito que me restou.
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AVASSALADORA AUSÊNCIA

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NALDOVELHO

Gotas de suor brotam do seu corpo,
da sua pele branca...
Embriagadora presença,
avassaladora ausência.

A sensação da sua pele lembra seda macia,
os seus seios fartos...
Se continuar lembrando eu infarto,
mas não consigo parar!
Parar de amar é um castigo
que eu não quero me imputar.

Só me resta mergulhar neste rio,
afogar-me em seu colo,
só para respirar o seu cheiro,
só para fazer você me respirar.

E o que eu faço com o desejo
de sentir em minhas mãos os seus pêlos?

Se você deixar, eu me aquieto,
se você deixar eu penetro
em seu quarto, em seu leito, em seu corpo.
Instalo-me, de um jeito, assim abusado
e fico sendo sua cicatriz preferida,
que vai arder, vai doer, vai incomodar,
só para que você não se esqueça
que toda a vez que eu choro,
choro a dor dos poetas,
choro feito criança,
choro de saudades, confesso!

Pois já não existe remédio
que possa curar o que eu sinto.
Se inventarem um, eu não tomo,
senão pode vir o mal do abandono
e a esse, certamente,
só vai me restar morrer de tanto amar.

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